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Monthly Archives: August 2010

-É apenas um desgosto, é apenas o meu desgosto.

– Se eu me livrar disto, nada me sobrará. Não existirá o completo, o cheio, sem isto, sem o vazio, não! Então por que buscar o completo no esvaziar do vazio? Por que pensar em cura? Trocar o vazio que constitui minha posse, meu algo certo, por uma surpresa ainda menos preenchida? Não!

– Reconhece, tu, a efemeridade! Para que queres uma duração que nunca poderás viver?

– Eu tenho uma coleção de bússulas: apenas para ter certeza de que não chegarei a lugar algum

 – Todas as mortes são suicídio. Ao viver nos permitimos morrer.

– Por um motivo ou outro nós decidimos tirar a motivação de tudo aquilo que nunca teve motivo nenhum.

Na casa dos espelhos vire sempre à direita. Não se esqueça de amarrar fitas vermelhas em todos os pontos em que perceber um encontro real consigo mesmo. Não se esqueça também de que aquele que amarra fitas por todos os lados perder-se-ia entre elas; provará, sentindo-se no recorde, no auge, do autoconhecimento, que de fato nunca realmente se encontrou. Achando-se em tudo, nada mais é do que o desconhecido e, também, o enganado.

Trim – trincou-se! Tudo se perdeu. Aquele que nunca realmente se viu agora nunca mais ver-se-á.  Nunca mais. Oh, provai e vede a lógica dos espelhos! Viestes, vivestes e te perdestes.

Ele segurava minha mão e, aos poucos, ia adivinhando as linhas que a moldavam, como se adivinhasse o significado delas; como se, esotericamente, me demonstrasse que ali havia uma espécie de mensagem, uma lógica encoberta de mim mesma, uma estrutura invisível do que é e,talvez, do que viria ser, algo além do meu mero biológico.

Mas enquanto ele segurava minhas mãos,todos os especulativos, imaginativos, sobre a motivação para tanto aos poucos iam embora. Sobrávamos apenas nós; nós e nossas mãos, num misto de timidez e transmissão de calor. E eu, outrora tão fria, me percebia cada vez mais quente.

Eu sentei na beirada da cama. Notei, então, um reflexo na janela olhando, por um instante, para mim. Eu estava ali, olhando para mim mesma, repetindo meus próprios gestos. Eu me percebera ali; meu reflexo me percebia enquanto eu percebia meu reflexo e, nesta troca de percepções eu senti o viver; senti-me viva. Aceitei a minha imagem tal como ela é.

Vivíamos nos segundos que separam o dia da noite enquanto caminhávamos numa longa estrada reta. Ao sinal da primeira oportunidade de desvio e de abandono daquela linearidade ele disse “vamos virar aqui” e, sem se interessar por qualquer resposta, uma vez que não houve tempo suficiente para que ele recebesse uma, ele virou. Eu o acompanhei por que, de qualquer forma, não interessava a linearidade em que, até poucos segundos antes, estávamos. Eu o acompanhei por que, de qualquer forma, não sabíamos para onde estávamos indo e, quando se caminha pelo e para o desconhecido, tanto faz a esquina na qual se dobra ou a reta na qual se segue.

Mas então eu percebi o motivo dele, embora ele não soubesse e nunca pudesse saber do meu conhecimento a respeito da motivação da decisão de virar. Mas eu percebi. Instantaneamente esta percepção me esvaziou. Eu não queria, eu não deveria ter desviado o meu caminho, o nosso caminho. E imaginei o que aconteceria se eu tivesse continuado naquele retilíneo, convencional nosso até o instante em que o inconvencional por ali surgiu e o fez querer mudar a direção. Eu encontraria o inconvencional? Ele encontraria? Enfrentaríamos? Havia, realmente, algo a ser enfrentado ou a vontade de enfrentar?