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Monthly Archives: July 2011

Cogito

eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível

eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora

eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim

eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranqüilamente
todas as horas do fim.

“When I think of that moment now, standing with Tommy in the little side-street about to Begin our search, i feel a warmth welling up through me. Everything suddenly felt perfect:  an hour set aside, stretching ahead of us, and there wasn’t a better way to spend it. I had to really hold myself back from giggling stupidly, or jumping up and down on the pavement like a little kid. Not long ago, when I was caring for Tommy, and I brought up our Norfolk trip, he told me he’d felt exactly the same. That moment when we decided to go searching for my lost tape, it was like suddenly every clud had blown away, and we had nothing but fun and laughter before us.” (p. 171).

 

“Quando eu leio você, às vezes sinto um pouco de solidão em suas palavras. É como se você escrevesse de um lugar onde está só, chamando alguém para ficar ao seu lado. Lá expressa alguns sentimentos, angústias, medos e etc. que quando mostrados para outras pessoas, elas não aceitaram ir até você. Por isso acontecer desta forma, você se expressa para mim de um modo triste, solitário, parecendo sentir medo de que eu não aceite o seu convite para dividir o mesmo lugar onde você está, assim como costuma acontecer…”

E estamos todos lá.

(a descrição sem discrição dele. e o meu projeto autodevorativo).

 

Poesia: 1970 

     Tudo o que eu faço

alguém em mim que eu desprezo

     sempre acha o máximo.

Mal rabisco,

     não dá mais para mudar nada.

Já é um clássico.

O Hospede Despercebido.

 
         Deixei alguém nesta sala
que muito se distinguia
         de alguém que ninguém se chamava,
quando eu desaparecia.
         Comigo se assemelhava,
mas só na superfície.
         Bem lá no fundo, eu, palavra,
não passava de um pastiche.
         Uns restos, uns traços, um dia,
meus tios, minhas mães e meus pais
         me chamarem de volta pra dentro,
eu ainda não volte jamais.
         Mas ali, logo ali, nesse espaço,
lá se vai, exemplo de mim,
         algo, alguém, mil pedaços,
meio início, meio a meio, sem fim.

[Ambos do livro Distraídos Venceremos]

(Foto: P. L. numa parede que poderia ser da Thayla, mas ela não é dona de paredes; dela é apenas o atrevimento. Vamos riscar?)

Raramente tenho tempo pra escrever resenhas, resumos ou mesmo opiniões simples – mas decentes – a respeito de algum filme que vi ou de algum livro que li, embora eu tenha o projeto pessoal de conseguir registrar algumas palavras a respeito de cada um deles (se bem que ultimamente até o fato de conseguir me aproximar de um livro que não seja elementar às minhas graduações tem sido complicado… Felizmente ainda consigo reservar algum tempo para o cinema).

Isto me deixa um tanto frustrada, mas todos sabemos que, infelizmente, seja por uma falta real de tempo, ou seja pelo absoluto desperdício deste (e assumo: sou campeã tanto na escassez de fato quanto no desperdício), não é possível realizarmos tudo aquilo que queremos.

Hoje, na minha primeira semana de férias, venho aqui para tentar contornar algumas das pedras que se opõem a esta minha vontade e, assim, matar dois (ou quatro?) coelhos numa só machadada. Crueldade? Não. Economia de tempo. Digo “dois” pensando em “quatro” por que falarei a respeito de dois livros que viraram filmes, sendo que tive a feliz oportunidade tanto de lê-los quanto de vê-los no cinema.

Um deles é o brasileiro. Chama-se “Como esquecer”, sendo o livro escrito por Myriam Campello (sendo que, em livro, o “Como esquecer” ganha o sobrenome “anotações quase inglesas”) e o filme dirigido por Malu Martino. O outro, o inglês “Never let me go”, apresentado aos nossos cinemas com o nome de “Não me abandone jamais”, foi dirigido por Mark Romanek e foi baseado no romance premiado de Kazuo Ishiguro.

Tive uma pronta, rápida e estranha identificação com as histórias de ambos livros/filmes, sendo que até agora, meses após tê-los visto e lido (na verdade, ainda estou lendo o romance de Ishuguro), não consigo explicar o por quê desta identificação. Talvez seja só a boa e velha questão da intensidade. E ressalto, ainda, que as obras não têm nenhuma conexão necessária e aparente entre si.

“Como esquecer” tem como personagem principal uma professora universitária de literatura inglesa, Júlia (Ana Paula Arósio), que busca justamente formas de esquecer um romance recém terminado (ressalto que os romances apresentados no livro são, quase em totalidade, homossexuais). Algumas destas formas repousam em crises de depressão, outras em escritos e aulas de literatura, outras em conversas com amigos – mesmo os novos amigos.

E é justamente nos momentos em que nos são apresentadas as tentativas de superação em que mais nos aproximamos das memórias do personagem que parece não querer buscar aquilo que mais busca.

Júlia, ainda, não é um personagem de qualquer expressão romântica e apaixonada nos moldes adolescentes; é, na verdade, uma mulher, madura, de olhar e aparência secos e de condutas até bastante rudes em determinados momentos da trama.

Serão todas estas características apenas mecanismos de defesa de alguém que possui uma imensa fragilidade dentro de si?

Júlia é, portanto, diante destas oposições e sobreposições, aquilo que chamo de “personagem-paradoxo”.

“Never let me go” é um obra que nos deixa conturbados por que demonstra uma situação a partir da qual qualquer obra tradicional abordaria um exemplo, ou ao menos uma tentativa, de superação. Mas o seu intuito é outro; é o de abordar o conformismo, a acomodação frente ao destino. E, de certa forma, por mais absurdo que pareça, o autor termina por nos convencer de que uma história de conformismo frente ao absurdo também tem a sua beleza.

Kathy (Carey Mulligan), Tommy (Andrew Garfield) e Ruth (Keira Knightley), os três personagens principais, passam suas infâncias em Hailsham, um colégio de tipo internato na Inglaterra, onde estudam moças e rapazes de até 18 anos. Durante o filme, acompanhamos estes personagens desde a sua infância até o passar da sua juventude e, assim, entendemos o por quê de serem “alunos” daquela instituição.

Nesta, os comportamentos dos alunos passam por um processo de modelagem característico deste tipo de estabelecimento, sendo que devem, por exemplo, cumprir horários de forma rígida, alimentar-se de forma saudável, praticar esportes, atender rigidamente às aulas e às reuniões comunais com a diretora da escola e etc., além de não poderem, de forma alguma, sair do colégio e ter contatos externos.

Com o desenvolver da trama, percebemos que todo o  controle e rigidez para com os personagens tem um objetivo: fazer com que cumpram seu “projeto” de vida de serem doadores de órgãos. Estão fadados, portanto, a doarem seus órgãos até que sejam “completados” – termo utilizado na obra – , ou seja, até que não mais suportem as doações.

Os personagens lidam com todas estas questões com uma ingenuidade e com uma doçura até mesmo mística. A cena de revolta e/ou de fuga pela qual tanto esperávamos não vem e aquela história que poderia ensejar até mesmo uma ficção científica termina, com o auxílio da ingenuidade, da descoberta dos sentimentos mais elementares – como o amor e a amizade – , e de um visual genuinamente retrô inglês, concretizando um belo romance.

Por algum motivo, achei que deveria registrar estas duas histórias aqui…

(Imagens: 1. Júlia. 2. Tommy e Kathy. 3. Júlia. 4. Kathy, Ruth e Tommy. 5. Kathy e Tommy).