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Monthly Archives: November 2010

 

(A Floresta, por Tarsila Amaral; 1929)

Cheguei a Wonderland e as portas estavam fechadas.  Ainda que por sob as verdes grades me senti recepcionada por aquele lugar. Ele disse “entre”, em meio ao silêncio do seu vazio, do seu dia vazio, embora não pudesse me oferecer uma porta.

Rumo às caravelas, então, lembrei de você. Antes e virar à esquerda percebi a liberdade, a sua liberdade. Eu tenho uma carta para você. Uma carta como garantia das minhas ausentes antigas garantias, hoje meio concedidas, concedidas em prol de tudo o que te fiz perder ao me ganhar.

Sempre há um espaço vazio para pessoas como nós. Sempre há um espaço no vazio para pessoas como nós. Sempre há um espaço vazio em pessoas como nós. E você ainda pensou que não se encaixaria? Difícil mesmo é admitir-se vivo.

Eu deveria parar de desviar meu olhar, de entregar meu olhar para este tipo de direção, para este tipo de imagem que nunca apareceu, que é mera projeção de algum tipo de repressão de desejo, uma das repressões deste tipo, que habitam o dentro de mim.
São apenas imagens, imagens que agora transmitem-se em palavras, nas minhas palavras, ao menos nestas minhas palavras, que talvez não sejam tão minhas assim, vez que são causa do que me é externo.

(René Magritte: The False Mirror, 1928).

Eu avisei que entraria em órbita. Em alta e boa altura equilibrei-me num show de múltiplas cores em estrelas. Este é o meu sincretismo – o método da explosão, o recriar-se ainda sendo, o ser um algo novo, embora de novo. Procurei conceitos por acreditar na existência deles, mas sempre soube que a resposta se desfaria em mera fenomenologia. Ao meu redor o fazer se desfaz e quem entrou em órbita fui eu. Ao seu redor.

(Rabiscos. Thayla Klegein, 2007[?]).

“Sabe onde estou? Vim procurar uma forma de me comunicar contigo. Não sei como vim parar aqui e nem como, e nem se, conseguirei ir embora. Não sei por que escolhi este lugar, justamente este lugar, para buscar esta sempre estranha comunicação nossa, apenas nossa. Há pouco encontrei um grupo de moças conversando, sorrindo, se arrumando, manifestando satisfações com suas próprias aparências. Ouvi a conversa delas, observei seus gestos, suas expressões, sua delicadeza e sua simplicidade de ser e de sentir; senti a sua feminilidade. Pensei, a partir do que observei, que talvez eu nunca tenha sido feliz. Não! Eu nunca busquei o que elas pareciam buscar, ou pareciam já ter alcançado. Se a felicidade é tal como vi representada nesta cena, neste recorte de uma conversa satisfatória feminina, acho que nunca a experimentei. Então talvez a mim só reste suportar este estado de espírito incomum que há tanto tempo me acompanha, que há tanto tempo experimento sem saber em que categoria encaixá-lo – se felicidade, se amargura, se outro, se nenhum, se nada ou se todos ao mesmo tempo e num mesmo instante. Não posso fazer nada além de suportá-lo, pois não sei o que de diferente eu poderia fazer já que não me agradam os exemplos da tal felicidade que vejo estampada em cenas, em recortes de diálogos e exteriorizações, gestos, à fora. Felicidade, felicidade delas, felicidade para elas, para tantas outras como elas, mas, se neste formato tão claro, tão simples, tão banal, não para algumas outras pessoas como eu.”

A tal felicidade. Usualmente é a escolha de um objeto. A partir desta escolha surge uma esperança, cresce um esperar, e, então, movimenta-se toda uma busca – a busca pelo objeto escolhido. Assim, o objeto torna-se objetivo; em conjunto com a esperança, torna-se a possibilidade da felicidade. Usualmente se confunde a felicidade com um objeto pelo qual se anseia conquistar ou com a conquista em si, o ato de realizá-la, de experimentá-la. É uma confusão errônea. A felicidade não é o algo, não é palpável, não é visível ou identificável. Após o algo ser alcançado, geralmente surge uma satisfação interior – a qual interpretamos como a manifestação da felicidade ou a felicidade em si – mas esta satisfação é uma mera passagem, uma mera experimentação de um êxtase, o mero sentir o novo. Sendo assim, ela não se perpetua, não traz plenitude. Após esta falsa completude se esvanecer, surge um novo objeto de desejo, uma nova ânsia de conquista e, por fim, uma nova completude momentânea após atingi-la. E assim o processo mostra-se como infinito. A busca pela felicidade – por esta idéia de felicidade materializável,  identificável em algo – torna-se um vício tanto quanto torna-se eterna, pois há uma confusão entre coisas e estado de espírito; entre o apalpar e uma visualização – um sentir – do próprio âmago.

(John Singer Sargent Ena and Betty, Daughters of Asher and Mrs. Wertheimer, 1901).



“Quando eu leio você, às vezes sinto um pouco de solidão em suas palavras. É como se você escrevesse de um lugar onde está só, chamando alguém para ficar ao seu lado. Lá expressa alguns sentimentos, angústias, medos e etc. que quando mostrados para outras pessoas, elas não aceitaram ir até você. Por isso acontecer desta forma, você se expressa para mim de um modo triste, solitário, parecendo sentir medo de que eu não aceite o seu convite para dividir o mesmo lugar onde você está, assim como costuma acontecer…”

E estamos todos lá.

(a sua descrição sem discriçã0. e meu projeto autodevorativo).

(A estudante (1915-1916), de Anita Malfatti).

Se me permites a expressão, eu perdi o medo das palavras. Elas me deram licença. Mas quem era eu pra me ver livre do todo? Apenas substituí o medo pela dependência, embora o medo seja também uma forma de sentir um “depender”. Perdi. Mas ainda sinto o ir e vir que me leva longe e me traz novamente, num movimento infindável de incompletude. O novo. A busca pelo que surge e apenas isto. Mas o surgir é apenas o surgir e nada além disto. O surgir o si mesmo. O surgir em si e pra si, o verbo e relevação da ação, mas não em mim, e não por mim. Em mim deixa impressões, as marcas, a tinta, o borrão das quase palavras. Em algum lugar entre o buscar e o encontrar eu cedi. Os cedimentos criaram raízes, mas então eu as cortei. Tenho eu, vivo eu, o velho plano do novo de novo.

(Franz Marc – The Bewitched Mill).