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Monthly Archives: May 2012

Pensei que dormiria, mas novamene sentir ir e ir, senti me abandonar aquilo que eu nem ainda conhecia. Lá vem, o mestre do sentir desconhecido! Mesmo sem conhecer, eu me sentia entregue cada vez mais. Estava desanimando a cada sentir sumir, a cada lento apagar de noites afins que me impediam de querer terminar um diálogo. Vi minha força ali: eu sentia alguma presença e era o que importava. “Vamos conversar por mais algumas horas? Eu preciso de instantes que cubram instantes, especificamente estes instantes, que tentam me impedir de querer perpetuar…”.

Estava agora pouco tentando me apoiar em certezas, afinal, em que mais poderia apoiar-me? Conclui esta questão em meio a várias outras de más passagens, de subterrâneos afins, destes que construímos com nossas próprias faltas e com a falta de outros, que sentimos de outros, que construímos aos poucos, sem ter grande percepção a respeito, até que nos entregamos completamente. Mas não, não era mais a certeza das incertezas aquilo que me interessava, não era mais esta absurda complexidade na qual até aqui me viciei, a qual utilizei como base para tantos e todos complexos. Doem-me a cabeça, os membros, dói-me esta mistura de dentro e fora, este entregar-se ao somático. Eu precisava da sensação mais simples, mais infantil possível, se assim posso dizer, de que haveria um algo ali que não teria interesses em mudanças e em desaparecimentos. Depois de tantos percalços e de tantos caminhos entravados entre subterrâneos, precisava de algo estupidamente fixo, algo que eu pudesse usar como ponto de apoio para girar corretamente, para mover-me pelo meu mundo, e mesmo pelos necessários rasgos  subterrâneos. Agora pouco, disto me convenci, após olhar de forma macro, de forma absurdamente generalizada frente ao que a mim se impõe: a simplicidade é necessária. O espaço de fluxo, de respirar, é simples e óbvio, talvez até estúpido, mas ainda necessário.

Palermo Shooting, W Wenders, 2012.

Eles todos vão-se jovens, era o compromisso que assumiam

Saber-se lá com o que, outro compromisso

Nunca saber era o que importava, ainda que para as consequências

Eu via, era a coragem que ela tinha,

A mesma que por folhas e folhas eu reconheci em lugares vários

E foi-se ainda jovem, assim como Netos e Cesárs

45 pensando nos 54, ou em idades que não fossem suas

A filha

E lá vem aquele, o dia, após aquele outro dia

Hoje já grande, identifica-se aquela que a si mesma se cria

Lembre-se de tudo o que você deixou inacabado

Dos pedidos que me fez – “contorne e não se renda aos meus pecados”

E eu construindo minhas repetições, suas repetições

Anunciando novamente – aqui estão várias das minhas antigas gerações

Fazes-me, detectas-me, como um tudo de novo

Lá vou eu, vou neles!

Eu repeti e repeti, sem nem saber do que se tratava

E me assinei como grande mestra de recaídas

… que nem eram minhas!

“De novo, filha!?”, dirias, mas já te foras

Como ninguém disse, eu refaço

Sujo de tinta, distraio e traio – aqui te revejo!

Fostes jovem, e eu te continuo, jovem

E quem continuará a nossa juventude?

 

On the Road, Salles, 2012.

Eu queria entender o que introduz e, no momento em que entendi, em conjunto veio a compreensão sobre tudo o que é construído. Eu pensei: o que garantiria que eu encontraria aqui? Não, nada poderia garantir. Outras pessoas encontram – ou pensam encontrar, construíram o encontrar, conforme depois concluí – nas mais diversas partes de diversos lugares.

E eu, conferindo qualquer grau de liberdade a mim mesma, consegui – ou pensei conseguir – encontrar nos diversos como os outros encontravam, mas também neste, de sempre, sem dar um passo sequer além do que já dava há quatro anos. Quando percebi que encontraria de uma forma ou outra, ainda que com todas as limitações e toda a imposição que traz o tempo, percebi também que tudo é construído. Eu inventei.

E por nunca confiar nas minhas invenções, e por nunca confiar no que fosse construído por mim de forma a tentar uma adaptação qualquer, uma permanência qualquer, eu me afastei da ideia de querer. Qualquer querer que fosse, anulado seria.

Mas ele nunca, nunca se afastou de mim.

Como é construção se não tenho controle? A partir de quando toma autonomia algo que em primeira mão era história minha?

(E para que controle? Tudo o que eu sempre consegui fazer foi permitir e permitir…)

(Der Himmel über Berlin, 1987, Wim Wenders). one of my fav…

Algumas coisas eram para ser feitas em pressa, com pressa. Em prazos curtos nos perdíamos, segurávamos uma discussão, engolíamos a sinceridade. Numa mesa de qualquer lugar, em frente ao próprio trabalho, te vi amenizar: uma cerveja, rápida, eficiente.

Com a discrição de sempre, te olhei enquanto segurava o copo tanto quanto o próprio ânimo. Pedi minha fração de líquido para te acompanhar entusiasmada, embora tu, com tua concentração nas pressas a cumprir, não perceberas meu brinde, solitário.

Eu vi, eu li em ti, um basta de tudo aquilo, um respirar pelos planos anteriores que deveriam de fato serem anteriores, mas não eram. Mas li também um desesperado “querer viver”. Por que evitastes tanto, por tantos momentos, este levar de leve, um improviso?

“Por favor, não se atrase!”,  anunciavas em antecedência a vontade de que outros pudessem chegar antes, mas anunciavas sempre com atraso as tuas próprias chegadas. Mas te esperávamos, eu te esperava. Todos tínhamos os nossos defeitos; a quebra de estereótipos que pareciam ser perfeitos provavam isto.

Triste eu ficava ao ver-te construir algo em solidão durante aqueles dias, fosse o que fosse. Eu queria participar e eu queria deixar-te participar também de tudo o que eu movia. Eu ouvia tuas várias hipóteses, lentamente construídas, teus “mas” engraçados que tanto marcaram, assim como teus “nãos” interrogativos, hesitantes. Eu queria participar, mas as oportunidades se findaram e deixaram apenas as dúvidas sobre o que de fato eras. O que demonstravas, afinal? Um ir sem ir, até que se tornou algo que se foi, que não mais recuperarei. Não seria assim? Davas para mim muitas e tantas seguranças, mas não me deixastes saber a verdade de teus propósitos.

Hoje a pressa continua, a pressão sempre se faz, os prazos continuam não tão gentis, mas perdi a possibilidade de companhia que tinha, a tua. Passei a correr comigo mesma, passei a queixar-me apenas para mim. Eu era feliz por poder dizer que tu eras quem me compreendia por mais perto do completo, eu era feliz em dizer obrigada por tudo o que compartilhávamos; assim funcionaram, de fato, nossas ações por alguns meses, com esta base de trocas, opiniões e sugestões… E apenas trabalho.

Image: Elizabethtown, Cameron Crowe, 2005.

Como não brincar de fragmentos? Escrevo o que junto, aos poucos. Na forma, no conteúdo, e mesmo naquilo que ainda não foi escrito – e que talvez nunca venha a ser – lá estão eles, os poucos, aos poucos, partes. É o que faço, sendo que só faço aquilo que sou, ainda que isto signifique nunca completar. Por isto apresento fragmentos, meu avesso às coisas longas, minha insegurança perante escolhas eternas, minha inconstância perante planos e palavras que se fazem em planos meus, abstrações, e mesmo aquilo que recusei e que preciso ver ir, ver sair. Fragmentos são abandonos, mas são conjuntos, um resto que procuro, que junto. São tudo de que pretendo me despedir, tudo o que eu vejo persistir, e as sobras constantes do “não sei o que fazer”, “não sei como fazer”.

 

Image: “Chungking Express”, W. K. Wai, 1994.