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Monthly Archives: March 2011

Escrever e receber cartas sempre foi algo que muito me agradou, embora eu não tenha tido muitas oportunidades de fazê-lo… Talvez por não caber no gosto da maioria, talvez por não servir aos hábitos da maioria. Dentro deste pensamento, li a coluna “blogs do além” da revista Carta Capital (nº 638) e me identifiquei com as questões ironicamente apontadas pelo autor, valendo-se da figura de Pablo Neruda e do clássico filme, baseado neste escritor, “O Carteiro e o Poeta”.

“Poesia é aquele gênero que todo mundo adora, mas só meia dúzia lê. Nunca figura na lista dos mais vendidos. O poeta, pra virar conhecido, precisa ganhar prêmio, ter seus poemas musicados ou, sei lá, inspirar algum filme de sucesso. No meu caso, as três coisas aconteceram. Nunca me faltou reconhecimento. Mas o que me deixou famoso, postumamente, até mesmo na parada de ônibus, foi o filme O Carteiro e o Poeta. Lembram? Essa película fez muito sucesso na década de 90. Era o filme que todo mundo gostava de gostar.

O enredo era mais ou menos esse: durante o meu exílio político em uma charmosa e bela ilha da Itália (na verdade me exilei na fria Isla Negra – pertencente ao Chile), para manter a minha correspondência em dia, eu contrato um carteiro extra. Esse sujeito, quase analfabeto, aprende, através da convivência comigo, a escrever seus sentimentos por sua amada. Ele acaba conquistando-a (depois dizem que a poesia não serve pra nada). E eu, em troca, ganhei um ouvinte atento e compreensivo para as lembranças saudosas de minha pátria.

Estou contando isso porque, esses dias, eu li num caderno de informática que o e-mail vai desaparecer. Os autores do artigo sustentam que as mensagens enviadas através de redes sociais, telefones celulares e comunicadores tipo Messenger estão relegando ao velho e-mail o papel de trafegar apenas as informações comerciais. Mais ou menos o que aconteceu com a nossa caixa de correspondência, que hoje não passa de um amontoado de contas e malas-diretas nos vendendo coisas que não precisamos. Com exceção de uma oferta de pílulas azuis sem receita que estão muito em conta, mas isso não vem ao caso agora.

O e-mail ainda era o último elo natural com a arcaica carta de papel. Mesmo que seu envio fosse instantâneo e sem selo, sua lógica obedecia aos princípios de sua antecessora. Há muita gente preocupada com o embate livro físico x livro digital. Mas vejo poucos atentos a um gênero literário que está com os seus dias contados: a correspondência. Gênero esse que já produziu obras de grande relevância, como Carta ao Pai de Kafka, Na missiva, Kafka fazia um ajuste de contas com seu autoritário pai. No fim, nem a enviou ao seu progenitor, ficou com medinho. Nos dias de hoje, essa pérola literária seria reduzida a um mero SMS dizendo: pai, larga do meu. Abs K. E o mundo ficaria sem saber que aquelas loucuras envolvendo baratas, absurdos e burocracia até que eram bem razoáveis, para quem teve um pai como aquele. Falar em pai, o da psicanálise teve a correspondência de mais de 34 anos com sua filha, Anna, reunida em livro. E assim curiosos e profissionais puderam estudar a intimidade de Freud. Se esse material fosse produzido hoje, só teríamos coisas como:

– Chegou bem, filha?
– Cheguei.
– E o seu id e o seu superego também?

Num mundo onde é possível se comunicar a qualquer hora, em qualquer lugar e de diversas maneiras, a carta deixou de ser útil, perdeu seu sentido original.

Uma pena. Os livros de correspondência nos forneciam outro tipo de dado sobre a intimidade, registravam com muita naturalidade os momentos individuais e coletivos. Mas não adianta reclamar. É um caminho sem volta e rápido. Em breve, a revista CartaCapital se chamará SMS Capital, Papai Noel só receberá tuites das crianças e condutores precisarão tirar DM de motorista. Uma coisa será boa. Livros como Cartas Entre Amigos de Gabriel Chalita e padre Fábio de Melo também deixarão de existir. ”

Fonte: http://www.blogsdoalem.com.br/neruda

“Tudo começou com os dois pronunciamentos de Bush e Bin Laden, transmitidos um após o outro. Imagens menos espetaculares do que as dos atentados, mas possivelmente mais reveladoras das forças culturais e ideológicas em conflito. Os temas, paradoxalmente, são parecidos: a guerra santa, a cruzada contra “o mal”, o ciclo de retaliações etc. Porém, há diferenças fundamentais na maneira como que a mensagem de um e de outro é concebida.

Bush olha direto para a câmera. Procura dar a impressão de que fala para o telespectador, mas percebe-se claramente que está elndo um telepromter. O desconforto com palavras que ele não escreveu é visível. O som, a luz, tudo é aparentemente perfeito. Perfeitamente clínico. Como num filme hollywoodyano, sente-se o peso do aparato técnico por trás daquilo que vemos.

Corta para Bil Laden. Por maios que os jornais garantam que ele possui estúdio de TV digital no seu refúgio, nada do que é mostrado sugere a existência de equipamento de alta tecnologia. A imagem é granulada, de baixa resolução. O microfone é aparente. O pronunciamento não é feito diretamente para a câmera, como se Bin Laden procurasse falar para pessoas à sua frente. Percebe-se também que o homem que segura o microfone é o autor do seu texto. E, como num filme iraniano, sente-se que a equipe de captação é pequena.

O final dos dois pronunciamentos também é extraordinariamente revelador. Bush acaba de ler o texto. Corta-se logo. Não há tempo a perder. Já ao término da fala de Bin Laden, a lente abre e contextualiza: o líder da Al Qaeda não está só, e sim sentado ao lado de três outros dirigentes de sua organização. Passam a beber chá, com vagar. Uma concepção do tempo diametralmente oposta à que vimos antes.”

SALLES, Walter. “Al Jazeera, Antonioni e a inversão do ponto de vista”. Folha de S. Paulo, 13/10/2001.

Certa vez fui ao cinema assistir um filme turco chamado “Bal” (palavra que significa “mel” – sendo o nome do filme traduzido como “Um doce olhar” para o português), de 2010. Antes da sessão iniciar, um dos responsáveis pelo cinema entrou na sala para dar um aviso, para falar alguma coisa a respeito do filme, como é de costume naquele cinema. “Algumas pessoas reclamaram a respeito da lentidão deste filme”, disse ele. E no restante da sua fala demonstrou que tratava-se de um filme de tradição oriental, bem distante da concepção de cinema energético, de cinema de ação, à qual somos acostumados graças aos filmes norte americanos. Explodimos por dentro, de agonia, quando não vemos algo explodir nas telas, quando o filme não segue a lógica de início – calmaria -, meio – surgimento do conflito e seu ápice – e fim – resolução do conflito.

“Bal”, de fato, é um filme introspectivo, sensível. A começar pelo fato de que o personagem principal – Yusuf – é apenas uma criança tímida e de poucas palavras. E em meio ao seu silêncio, o filme tenta demonstrar suas inquietações interiores e, também, exteriores, às quais são construídas principalmente em função da família e da escola. Colaborando com este silêncio, temos a trilha sonora do filme, a qual é composta pelos sons naturais da região onde foi filmado – montanhosa, rural, em meio à natureza e naturalmente silenciosa.

O pai de Yusuf é apicultor nesta região e, após enfrentar problemas com o sumiço das abelhas das quais normalmente captava o meu, parte atrás de novas colmeias e mel. Com esta partida inicia-se aquela que entendo ser a principal tensão do filme que, nem por isto, perde a sua característica silenciosa e introspectiva.

Por algum motivo, ao ler este artigo de Salles, me lembrei deste filme, desta sessão e dos comentários feitos pelo funcionário do cinema. Tradicionalmente, enquanto Hollywood apela para extremos orçamentários e para narrativas que, na tentativa de complexidade, se perdem, destroem-se em suas próprias explosões excessivas e tornam-se repetições de fórmulas cinematográficas sem originalidade, o cinema oriental tem vencido com base na simplicidade, com outros tipos de apelo, muitas vezes de baixo recurso orçamentário.

Sendo o nosso objetivo não o de apoiar nenhum dos dois líderes (ou ex líderes ou seja lá como forem considerados) em suas premissas ideológicas, mas sim, apenas analisar a construção do discurso televisivo de cada um, temos que este tipo de contraste entre as duas tradições cinematográficas também é percebido mesmo em seus discursos, por meio dos quais um busca atingir o convencimento com base numa perfeição construída, fingida, hollywoodana enquanto o outro, valendo-se de sua naturalidade, não fica para trás.


Bal foi o ganhador do Urso de Ouro no festival de Berlin em 2010. É o terceiro filme de uma trilogia do diretor Semith Kaplanoglu , sendo “Ovo”, de 2007, e “Leite”, de 2008, os anteriores.

Eu
Eu fui embora
Meu corpo, porém, talvez não tenha me acompanhado
Mas isto não significa que permaneci
Na verdade eu nunca de todo lá estive
mas, ao mesmo tempo,
nunca pertenci ao lugar de onde surgi
ao primeiro lugar aonde fui
e nem ao primeiro lugar onde fui eu, onde fui eu mesmo

O que fazer, onde estar, para onde ir quando não se coincidem os lugares de nascimento, de vivência e de morte?

Duas faculdades, confusões, pensamentos. A velha vontade de tudo e de nada, ao mesmo tempo. O velho sentir ir, permanecer e se perder. Assim, bêbada (sem nenhuma gota de álcool, como sempre), trajando luto e imitando carlitos.

Imagem: C.C. – Modern Times.

Todas aquelas palavras e palavras
Ferrugem? Em descontrução
Tudo o que disse, que hoje desdigo
tudo aquilo que pertence à quem um dia entreguei
apenas à alguém
não mais a mim

Eu? Dizer, nunca disse
Talvez até tenha dito, mas por um ínfimo espaço de tempo
tão ínfimo que hoje é desprezado
no cálculo das minhas expressões
Talvez até tenha expressado
mas como um sintoma incompreendido
de alguma causa interna que nunca existiu

Todas aquelas palavras e palavras
Descontrução? Talvez inexistência
não mais respondo por aquilo que saiu de mim
não mais em mim se sustenta aquilo que saiu de mim
Todas aquelas palavras e palavras
sua autonomia
meu esquecimento

——

“Discursos detonam.
Não sou eu que estou ali
de roupa escura
sorrindo ou fingindo
ouvir.
No entanto
também escrevi coisas assim,
para pessoas que nem sei mais
quem são,
de uma doçura
venenosa
de tão funda.”
(Ana Cristina César).

Ana C. me fazendo pensar sobre onde andam tantas e tantas coisas que escrevi…