“Toda imagem é um ato de coragem.”
Ela concluiu após olhar todas aquelas fotografias, algumas pelas quais ela mesmo foi responsável. Fotografar é ver-se ali, é ver também um outro, construído conforme ao que dele tivemos acesso: um sorriso, um rosto virado hesitante, uma festa de aniversário, a tão sonhada viagem e tudo o quanto possa tornar-se uma eterna lembrança após os anos que nos são dados.
Somos a negação de nosso próprio tempo, e nos tornamos nosso próprio paradoxo no momento em que entregamos nossa imagem atual às imagens anteriores. “Não, meu tempo não passou; sou apenas um eterno pertencimento a mim mesmo, a isto que vejo, que foi isto que é e que sempre será igual”. E, ao mesmo tempo, “admito, fui outro, um tanto diferente, que sonhava em conquistar uma melhor versão, seja esta versão a criação atual ou não”.
Ela viu nas imagens todos estes atos de coragem, um dos poucos momentos sinceros de admissão de tantas ocasiões e transformações. “Era este o lugar que ele sempre frequentava”; “ela, nossa, como se vestia mal!”; “por uns anos este foi meu melhor amigo, hoje, não sei onde está”; “este era o meu tio mais querido e, de alguma forma, sempre será”.
As imagens são a coragem do reviver, um anteparo para as comparações, a verificação de algumas frustrações e outros terrores, o levantar das fugas do combinado, do jogar fora o planejado. Nas imagens ela percebia o que há pouco existiu, reviu um adeus ou outro, desconheceu aquele rosto que em um dos frames tão próximo ao seu estava.
Ela se desafiava a responder para onde ia tanta vida, sua e de tantos outros seres imagéticos, tantos quantos nem fazer ideia queria. Imaginava a existência de um mundo alternativo de vidas, onde todas aquelas imagens se encontravam, se cumprimentavam entre mãos, braços, corpos e cenas inteiras, passavam uma por entre as outras num cruzar místico de cores, em danças simbólicas de eterno.
Ela viu seu rosto, de alguma forma, e sorriu em troca dos anos que a imagem lhe concedeu. Aquela, ali no meio, dona do vestido rosa e cabelos cheios, era ela. Esta, hoje, também.