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Monthly Archives: January 2017

água de rabisco
aquarela, aquela
cor de furtada do céu
dizendo “você é o que eu queria ser”
só que longe
e estou longe
pois ser longe
é o que sei ser

água-pigmento
de chegar e esvair
água é gente se ar-riscando
do navio descem cordas
e a gente vê, pelo mar
gente se a-mar-rando
dizendo “somos um algo de todos juntos de vez”
e perto
pois ser perto
é um precisamos ser.setiba-jan-2017-com-diogo-e-breno

(foto minha. setiba, jan’17)

“aquele que olha nem sempre imagina haver numa grossa corda uma sucessão de pequenos momentos de outras tantas pequenas cordas entrelaçadas. até o desenlace final, há uma sucessão de pequenas outras mortes, separações. até que se rompa o todo, ou se divida em dois pedaços, há uma série de outros pequenos rompimentos, vidas desacontecendo, entre cada um destes pequenos pedaços que se atrevem a formar o maior. um final nunca é uma cena sozinha. não há eternidade no mundo das cordas, que são laços. aquele que sente deve saber reconhecer o último dos fios antes que se parta, que é quando deve, ele mesmo, partir. aquele que aceita deve saber deixar ir, no mais simples dos ensaios das despedidas. aqueles todos devem saber que aquela mensagem não deve mais ser enviada, que aquele telefonema não obterá mais resposta, que aquele convite não se efetivará em encontro, mas sim, apenas no reflexo de uma boa lembrança de alguns laços – de vida, de cordas – ora enviados ao mundo do irrepetível.”

catei letra por letra, parágrafo por parágrafo. catei catados. dessem o nome que quisessem dar, era a partir dali, daquele lugar – catado – que todos se tornariam abandonados. deixei sobrar tempo até pro que chamam de incisos, alíneas. letra, letrinha, queria jogar fora. pra essa merda toda acabar. e quando acabasse, que cada um pudesse se reconvencer de outras linguagens – rasgadas, catadas, amadas, gozadas, ao seu jeito.

dizia ela querer mudar destinos de paletas de cores. desafiava as vontades de um sempre branco e preto, desses que marcam o fundo de um armário esquecido em uma terra qualquer escondida. a vontade de pretoembranquecer era a de se render a misturas que não eram outra coisa senão pósnúncio de ausência. preenchê-las era feito caminhar rumo a um meio amarelo de fim de tarde, desses convidados que gostam de ficar pouco e serem bem tratados. ele era um menino amolecado correndo dourado dos movimentos do relógio dos fins de fins, ou dos inícios do começo do que quer que fosse que de novo se quisesse fazer.

dizia ela querer mudar destinos de um empório de dores. com uma mão, rasgava os restos de um susto da década de 90, que lá naqueles não tão idos tempos anunciava pelas ruas o que precisava ser urgentemente anunciado, enquanto ela trajava branco refazendo o caminho de casa. com a outra mão, manejava os entulhos das ameaças das décadas de 2000, que a congelaram, quase que para sempre, ou de pé num ponto de ônibus ou deitada em lugares proibidos, enquanto trajava verde.

dizia ela que tanto ficou quanto já passou, pois ficar é sobrar e passar é saber, conscientemente, que sobrou e sobrará. ficou de leve, como o descanso de quem se ajeita numa das redes de dormir armadas num barco que acabou de atracar num cais de rio. passou misterioso, como o movimento pós-cais de cores a dentro por sete dias e sete noites. cores que jamais se descreverão pretoembranquecidas…

 

josh-jefferson

 

(arte: josh jefferson)