A verdade é que eu nunca me interessei em ser o sentido de um minuto atrás. O sensorial se transforma, minhas caricaturas se reconstroem e cada quadro é um anunciar do antigo lápis se movendo agora no escuro… Deixe entrar, então, para vermos como será. Deixe entrar, então, aquilo que tiver que ser de novo. Novo…
Monthly Archives: November 2012
(Sobre o processo pelo qual deixamos de realmente sentir.)
“A criança tem seu primeiro choro, seus primeiros choros, mas nunca tem horas, a não ser as horas de quem a acompanha. Vivencia um ciclo de sentir, precisar, externalizar, sem que haja a compreensão da diferença entre a pulsão que lhe machuca e a pulsão que lhe faz rir. É aquele um múltiplo mundo de tudo ser necessário.
Chega a mãe, lhe envolve e prontamente diz: não chore! Repetindo o gesto e a frase por tempos e tempos, até que a criança sozinha um dia possa envolver a si mesma e dizer a si mesma que não é necessário chorar. E o chorar em proximidade materna é pago com carinho, o chorar é o dever de parar de chorar, o chorar é o contrário do esperado e do querer, é simplesmente um não ser feliz.
Constitui-se, assim, o tal mundo dos sorrisos, onde chorar não é apenas vergonhoso, como quase proibido. No mundo está proibido chorar, e imperativo se faz o sorrir, a qualquer custo, a quaisquer dentes e em qualquer boca. Sentimentos não precisam de várias vias, ser é ser apenas uma única coisa, é cumprir o dever de estar bem.
Dizem que durante algum tempo de nós mesmos, tempo este que brevemente esquecemos por qualquer mágica das vivências e imposições, habitamos outras tantas dimensões do sentir, navegamos por entre o indescritível que nos traz às expressões nem sorrisos e nem lábios baixos. Mas rapidamente estas dimensões, que nada tem de paralelas, mas sim de amigas e inimigas que por alguns instantes se cruzam e por outros se distanciam, passam por um processo qualquer de seleção, do qual nós mesmos somos alienados, e nos são retiradas à força todas quantas forem as quantias de multiplicidade.
Sobra o dualismo, sobram apenas as chamadas dimensão necessária e dimensão inevitável, embora repudiada. A necessária é a saudável escolha por um dos caminhos, frente a um necessário de certos e errados, frente a um necessário tudo ou nada; a inevitável é aquilo que por algum motivo não conseguiu ser completamente afastado, embora seja imposto em cada uma das crianças, ainda que depois de muitos anos de crianças, o dever de se esforçar para isto.
Somos nós todos esta criança que chora por chorar, que lamenta inclinações inadequadas, que lamenta o não ser feliz. Somos nós a criança do não poder chorar, somos nós a criança das tantas dimensões e multiplicidades perdidas, somos nós as crianças, os benditos frutos, do controle do sentir… ”