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Monthly Archives: December 2010

Tese da Letras investiga poética do suicídio

Ana Cecília Carvalho analisa papel da literatura na trajetória da escritora americana Sylvia Plath

Priscila Cirino

 

E.gif (400 bytes)screver é uma forma de pensar, de raciocinar. Essa seria a função da escrita, na medida em que permite ao escritor dizer para si mesmo que não é preciso se matar todos os dias, visto que é possível se matar a qualquer dia”. A partir dessa afirmação da escritora Marguerite Duras, a professora do departamento de Psicologia da Fafich Ana Cecília Carvalho, também escritora e psicanalista, concluiu que existe algo no trabalho do escritor que o põe diante de uma escolha terrível: escrever ou morrer. Seguindo essa linha, Ana Cecília desenvolveu sua tese de doutorado sobre a escritora americana Sylvia Plath, que se suicidou em 1963, aos 30 anos.
Plath não foi a única. Ao longo do século 20, outras escritoras, como a americana Virginia Woolf, a portuguesa Florbela Espanca e a brasileira Ana Cristina Cesar, se mataram. “Não podemos dizer, porém, que há semelhanças em sua escrita apenas porque tiveram o mesmo fim”, ressalta a pesquisadora, para quem não há como traçar um perfil de autora suicida, pois cada uma viveu em contextos históricos, sociais, culturais e pessoais muito distintos.
Ao buscar uma interlocução entre a psicanálise e a literatura, a professora tentou desvendar a finalidade da escrita na vida da autora americana que se matou no auge da carreira literária. “Eu me questionava se haveria um ponto em que a escrita perde sua função e, se ele existe, o que aconteceria a partir dali”, diz Ana Cecília. Com base nesse questionamento, a professora procurou analisar poemas, contos, cartas, diários e um romance, Redoma de vidro, deixados pela autora. Ela pretendia rastrear elementos que testemunhassem marcas de forças destrutivas que, acreditava, estariam presentes na produção da escritora. Nessa etapa, Ana Cecília traduziu 83 poemas e trechos de cartas e diários da autora, anexados à tese.
Analisando a obra de Plath, a professora percebeu que havia referências à função “terapêutica” da escrita. “Ela deixou registrada, por exemplo, a convicção de que o ofício de escrever era um recurso para reordenação de seu mundo interior”, observa. Reinvenção

Outra característica marcante da personalidade da autora era a reinvenção de suas experiências. Ela escrevia sobre o mesmo fato de formas muito distintas. “Há um episódio em que Plath se vê às voltas com um cisco no olho e registra isso no diário, numa carta para a mãe e num poema. As diferenças são tão nítidas que nem parece o mesmo fato”, exemplifica a psicanalista.
Ana Cecília reconheceu dois movimentos nos textos da escritora americana. O primeiro aparece no romance, nos diários, nas primeiras poesias e nas correspondências para a mãe. “Nesse momento, Plath estaria tentando se distanciar do sofrimento interno que vivia, usando a escrita como uma força que detém sua dor”, explica.
O segundo movimento aparece nas poesias escritas mais ao fim da vida da autora. Seus textos deixaram de ser metafóricos para retratar a realidade. Segundo Ana Cecília, Plath estava consciente de que a coincidência entre a palavra e o que ela estava nomeando a levava a uma situação perigosa em que, como a autora mesma dizia, “o jato de sangue é poesia” e “não há nada que o detenha”. Registradas num poema quatro dias antes de aparecer morta asfixiada com gás, as palavras de Sylvia Plath prenunciavam uma situação sem volta: sua escolha já estava feita.

Tese: Escrita com fim, escrita sem fim: a poética do suicídio em Sylvia Plath
Autora: Ana Cecília Carvalho
Defesa: 18 de dezembro de 1998, junto ao programa de Pós-Graduação da Fale em Estudos Literários.
Banca: Ruth Silviano Brandão (orientadora), Eneida Maria de Souza e Sandra Regina Goulart Almeida, todas da UFMG, e Edson Rosa da Silva (UFRJ)

 

Fonte: http://www.ufmg.br/boletim/bol1219/pag8.html

“Não nos precipitemos na escuridão. Convém, antes, compreender essa escuridão. Nosso entendimento é finito, ou cego, o que dá no mesmo. Não enxergamos o futuro, isso é ponto pacífico. Mas tampouco enxergamos o presente, no sentido de que temos um conhecimento limitado do que nos circunda. É fácil perder-se neste mundo que nos ultrapassa de todos os lados. Uma primeira solução parece consistir num retraimento temeroso. Se decidimos agir apenas com a condição de conhecer antecipadamente o resultado de nossa ação, nosso entendimento, não obstante finito, alcança a vontade, e a laça e aprisiona, limitando-a a só quere o que ele conhece. É uma existência bem-comportada, confortável, mas que supõe um isolamento total, a recusa de toda alteridade, de todo risco, de toda novidade, em suma, uma vida absolutamente autárquica – uma vida que se assemelha terrivelmente à morte.” (Cinefilô, p. 14, e a questão da identificação.)

Estranho ver o mestre partir. Ele, o mesmo que há um ano atrás respondeu “não sei” a uma das minhas bobas perguntas de neófita num curso de graduação. Naquela simples frase ele, figura que sempre me chamou atenção ainda que à distância nos corredores da faculdade, figura que me inspirava até mesmo um certo tipo de receio de aproximação, conquistou todo o meu respeito, toda a minha admiração. “Como poderia”, pensei eu, “como poderia ele não saber a resposta?”. Por mais que eu não tivesse profundidade em nenhum assunto de nenhuma discussão relevante, naquele tempo, para me convencer facilmente a me inclinar à alguma discussão com ele ou na presença dele, eu, ao pensar sobre aquilo que aconteceu, sobre a resposta que ele me dera, senti-me tal como o Fausto de Goethe: “Estudo fiz, com máxima insistência.

Pobre simplório, aqui estou

E sábio como dantes sou!

De doutor tenho o nome e mestre em artes,

E levo dez anos por estas partes,

Prá cá e lá, aqui ou acolá

Os meus discípulos pelo nariz.

E vejo-o, não sabemos nada!

Deixa-me a mente amargurada.

Sei ter mais tino que esses maçadores,

Mestres, frades, escribas e doutores;

Com dúvidas e escrúpulos não me alouco,

Não temo o inferno e satanás tampouco

Mas mata-me o prazer no peito;

Não julgo algo saber direito,

Que leve aos homens uma luz que seja

Edificante e benfazeja.

Nem de ouro e bens sou possuidor,

Ou de terreal fama e esplendor;

Um cão assim não viveria!”

Alí eu tomei plena consciência da fragilidade dele e foi justamente isto que me encantou: o fato dele admiti-la mesmo frente a pessoas que poderia, facilmente, por meio do uso de um bom discurso, tal como o que lhe era característico, enganar. Ali percebi a universalidade da fragilidade das perguntas e das respostas, de tudo o que aprendemos. Por um minuto pensei “de que vale aprender?”, “o que realmente aprendi?”,  “o que significa ‘aprender’ algo?”. Até hoje eu não sei. E creio que o mestre também partilha das minhas dúvidas. Justo o mestre! Ele também tem dúvidas, ele também duvida, ele também tem muito dentro de si a ser respondido. E, agora, lá se vai ele… Talvez atrás de mais respostas… Talvez atrás de mais perguntas…

(O Beijo, por Gustav Klimt. ~1907).

– Seus olhos! Seus olhos são castanhos… E o castanho parece se rasgar para dar lugar ao que está por trás dele, como uma cortina, uma cortina de olhar…

Com a firmeza que nunca teve, com uma inédita exteriorização da vontade de mantê-la por perto, justamente aquela exteriorização que contrariava a confiança que ela lhe dera, ele desconsiderou as palavras dela e as suas colocou no lugar. Ela riu. Estava inconsciente.