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Monthly Archives: August 2012

“Sempre tive a sensação de que em mim havia um ser assassinado. Assassinado antes de nascer. Eu tinha de reencontrar esse ser assassinado, voltar a dar-lhe vida”. (S. Beckett).

 

(Jim Pennington)

Me dá licença para os olhos

Eu via até quando esperava

Eu via até quando fingia

Desenhava em várias direções

Era esta a minha mania

Ainda assim não tinha licença para os olhos

Era única a imagem que eu via

Te via e lá iam minhas poses, minhas mentiras

Te via sem que aparecesses

Preparado era pouco

Para quem vendo estava sempre

Era o teu vício que eu cultivava

O que me fez pedir o desarme

Me dá licença de alternativa

De girar o pescoço, de desfoque

outras medidas, outros gostos

Para que vacilo ou descuido

Se não limitavam o que na vista fazes

Desdenhava perante meus escapes

“Me dá licença”, dizia,

mas ainda que para pedir preciso ver-te

Percebi que não poderia haver remédio

Ou qualquer do que fosse outra dosagem

Não havia, fosse qual fosse,

Em mim qualquer outra imagem.

Cá estou, em meio às trocas que antes evitava, em meio ao novo do qual antes fugia, em meio à repetição do antigo familiar que antes condenava. Se agora pouco o simples render-se, hoje que seja o recomeçar. Se era antes por que era o melhor em palavras de outrem, hoje vou deixar ser o que for meu, ainda que mais difícil. O que fazer quando as imagens são as palavras que importam? Deixar-se fazer, deixar-se ver. A imagem é um campo de luta, é um meio de efeitos, assim como aqueles tantos outros em que tantos outros se constroem…

No surto, empurro. Não caibo mais. Movi, depressa. Para manter, quase nada há mais. Eu quase dei meu adeus, mas vi o pouco, o tão pouco, que ainda ficou. Disse então “breve, até breve”, como sempre adorei dizer. O surto, tão pouco. Falta tão pouco…

(Eu costumo adorar dizer adeus, mas aí surge a hora de voltar, que sempre existe, e o adeus volta pra casa, na forma do familiar, como quem nunca foi. Onde está (ou onde estou)? pedaços, tantos pedaços, e eu aí, na preocupação das explicações…)

(Imagens: O que eu mais desejo (“Kiseki”); Hirokazu Koreeda, 2011).